O Piemonte não é um destino com um roteiro clássico. Não dá para escrever um texto do tipo “O que fazer em 3 dias em Alba” ou “Dez coisas que você não pode perder em Barolo”. Se você é aquele tipo de turista que gosta de conhecer 5 cidades em cinco dias, este provavelmente não é o seu lugar. Para conhecer o Piemonte da maneira como deve ser, é preciso investir um artigo que anda escasso nos dias de hoje: tempo. Adeptos que somos do estilo “Slow Travel”, ficamos uma semana em Alba e achamos que poderíamos ter ficado mais. Alguns viajantes incrédulos poderão dizer que isso não faz nenhum sentido. Alba, o coração do Piemonte, tem 54 km ² , Barolo tem apenas 5 km ² e Barbaresco tem 7 km ² . Em dois dias dá para conhecer tudo, pensariam os mais apressados. Mas, já avisamos aos viajantes, dê tempo ao tempo, conheça as vinícolas, faça degustações, entre nas lojinhas e, acima de tudo isso, aprecie a boa mesa piemontesa sem moderação!
Onde se hospedar?
Não é à toa que Alba se transformou no principal destino para quem quer conhecer toda a região. A comuna tem uma ótima localização e uma boa oferta de hospedagem. Nós escolhemos o Hotel Calissano e ficamos bem satisfeitos.
O que nos chamou a atenção logo na chegada foi o atendimento. Todos os funcionários foram eficientes, estacionaram nosso carro, levaram a bagagem para o quarto, atenderam ao nosso pedido de travesseiros extras, enfim, foi uma ótima primeira impressão. Atendimento faz toda a diferença, né?
Além disso, a localização é ótima, conhecemos todo o centrinho a pé e o quarto é bem espaçoso e confortável. Só tivemos problemas com o restaurante do hotel, que não abriu em um dos dias em que estivemos lá e só colocaram um pequeno aviso na recepção. Nós não vimos e acabamos com fome.
De qualquer forma, se voltarmos ao Piemonte, com certeza vamos nos hospedar lá novamente. É uma ótima escolha.
Quais cidades visitar?
Alba
Alba é a maior cidade do pedaço mais emblemático do Piemonte, com cerca de 30 mil habitantes. Começamos nosso passeio pela rua principal, a Via Vittorio Emanuele, que tem lojas de roupas, sapatos, souvenirs e, claro, vinhos e trufas. Fomos caminhando até o final dela, que acaba na praça onde fica a Catedral di San Lorenzo. Ali em frente sentamos no Bistrot Duomo e começamos nossa esbórnia gastronômica, que se estenderia por alguns dias (e uns quilinhos a mais).
Alba tem boas opções de restaurantes, inclusive o Piazza Duomo, do chef Enrico Crippa, com três estrelas Michelin, que acabamos não conhecendo. Indicamos o Albamare, um simpático restaurante que também fica perto da igreja. Mas prepare-se para se deparar com porções menos generosas do que normalmente encontramos em outras partes da Itália. O Piemonte recebe bastante influência da culinária francesa.
Barolo: O rei dos vinhos e o vinho dos reis
Nas palavras de Voltaire “o rei dos vinhos e o vinho dos reis”, o Barolo é feito 100% com a uva nebbiolo de 11 comunas diferentes (vilarejos que dão nome às subdivisões do vinho), estagia 18 meses em carvalho (no mínimo, podendo ficar mais tempo) e só pode ser comercializado após quatro anos da colheita. É um vinho que precisa de tempo de envelhecimento para ser apreciado. Nós tivemos uma aula sobre o Barolo e outros vinhos produzidos na região quando visitamos a vinícola Brezza. Demos a sorte de estarmos sozinhos (a vantagem de visitar o Piemonte fora da temporada das trufas) e, além da ótima conversa de cerca de uma hora e meia, fizemos uma degustação de 8 rótulos. “Na Itália vinho e comida andam juntos. Não dá para imaginar um Barolo acompanhando um prato de legumes ou de queijos. É um vinho complexo, que precisa de alimentos mais gordurosos e substanciais para fazer um casamento perfeito”, disse a sommelier.
Um pouco de história
Antigamente, era precisa esperar 10 ou 15 anos para conseguir beber um Barolo, quando a aspereza dos taninos dos vinhos começava a amaciar. Isso ocorria porque a uva nebbiolo, que possui alto teor de taninos e custa a amadurecer, era deixada durante anos em grandes tonéis de carvalho ou castanheira, fazendo com que a aspereza fosse exacerbada. Até que, na década de 1980, alguns produtores do vinho começaram a utilizar uma tecnologia mais moderna, melhorando os taninos. Tanques de temperatura controlável agilizaram o processo de fermentação, evitando o paladar adstringente. No período em que essas mudanças foram sendo feitas, houve muita discussão entre os que queriam “amaciar” o vinho e os que achavam que a execução deveria continuar como antes. A briga rendeu o documentário Barolo Boys – The Story of a Revolution, lançado em 2014.
A cidade
Estacionamos o carro logo na entrada da cidade e fizemos nosso passeio a pé. A primeira parada foi no Museu do Vinho, que fala menos da região e mais sobre a história do vinho em geral. Nós ficamos um pouco decepcionados, achamos que o museu tem muita interação e pouco informação. Mas gostamos da parte que mostra a presença do vinho nas artes – na pintura, na literatura, na música e no cinema. Andar pela cidade, entrar nas lojas, provar alguns rótulos, conversar com produtores. São estes os programas para se fazer em Barolo. Além de comer e beber, claro. Infelizmente não conseguimos experimentar nenhum dos ótimos restaurantes da cidade, pois quando chegamos eles já estavam fechando e só abririam para o jantar, às 7 da noite. Aliás, esta é uma dica essencial: organize os horários das suas refeições, pois no Piemonte os bons restaurantes só abrem entre 12h e 14h para almoço e 19h30 e 21h30 para jantar.
Barbaresco
Quando chegamos em Barbaresco estava chovendo e nossos planos foram, literalmente, por água abaixo. O jeito foi adaptar a agenda. Ainda dentro do carro, com nossos celulares em punho, fomos em busca de algum lugar para comer. Encontramos em uma matéria de jornal uma sugestão de restaurante, o Antinè. Ligamos lá, faltavam 10 minutos para fechar, mas eles toparam nos receber. Santa chuva! Este foi, sem a menor sombra de dúvidas, o melhor momento da viagem. O restaurante está indicado no Michelin apenas na lista “Pratos Michelin”, mas achamos que ele merecia pelo menos uma estrelinha. Foi um almoço realmente memorável. Aliás, vale a pena lembrar que o movimento “Slow food”, que defende a qualidade das refeições e dos produtos, nasceu no Piemonte. Nosso almoço no Antinè durou três horas e olha que escolhemos o menor dos menus do restaurante, mas além do que vem descrito no cardápio, o chef mandou várias surpresas.
Na ordem, comemos o seguinte: crispy de beterraba desidratada com creme de ricota. Entradinhas variadas. Creme de pêra com vinagre de pêra e gorgonzola em flocos de neve. Carpaccio. Ravióli de carne de porco, vaca e coelho. Bochecha de boi com purê de batatas e crispy de polenta com redução de Barbaresco. Mousse de chocolate com sorbet e vários docinhos para acompanhar o café. Foi inesquecível.
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Quando saímos de lá, a chuva já tinha parado e pudemos conhecer o pequeno centrinho. Entramos na Enoteca Regionale Del Barbaresco que fica dentro de uma antiga igreja. Lá você pode fazer degustações, comprar rótulos e alguns souvenirs, além de obter informações sobre as vinícolas da região. Além disso, vimos lojas e passamos na porta de algumas vinícolas, entre elas a famosa Gaja, que não é aberta para turistas.
Este foi nosso último passeio e voltamos para o hotel apreciando a bela vista do Langhe. Alguns vinhedos do Piemonte, que acompanham o relevo da região e formam lindos anfiteatros, foram tombados como Patrimônio Universal pela Unesco, em 2014.
Se por um lado na nossa viagem ficou faltando a famosa caça às trufas, que ocorre entre o final de outubro e o início de novembro, por outro pudemos apreciar a região com muito mais tranquilidade, calma e TEMPO. A palavra chave do Piemonte.