Aula de culinária da Toscana: o local
Para chegar na fazenda La Casella era preciso prestar atenção ao lado direito da pista, pouco antes de entrar em Montalcino. Depois de passar por um restaurante, apareceria uma caixinha de correios vermelha em frente a uma oliveira. A indicação do endereço de onde seria a aula já começava com uma dose extra de poesia, é preciso reparar nas árvores do caminho. Mas, por via das dúvidas, colocamos o GPS. Chegamos cerca de 15 minutos antes do horário combinado e ficamos apreciando a vista. Marcela, nossa professora, saiu de dentro da casinha de pedras com uma cesta nas mãos para catar damascos. Quando nos viu, disse que deixaria a colheita para depois e nos deu uma fruta do pé para provar.
Aula de culinária da Toscana: a professora
A professora fugiu um pouco dos estereótipos que eu havia criado para ela. Imaginava uma avó tipo a dona Benta, do sítio do Picapau Amarelo, só que italiana. Marcela era bem diferente disso. Mais magra do que eu imaginava (como alguém consegue manter a forma comendo massa diariamente?), loira, olhos azuis, óculos com uma armação vermelha.
Também me surpreendeu – um pouco negativamente – em relação à falta de organização da cozinha. Achei que encontraríamos tudo pronto para a nossa aula, potinhos na mesa com os itens do jantar, como ocorre no programa da Ana Maria Braga. Que nada. Ela olhou para nós e perguntou o que gostaríamos de cozinhar.
A saleta onde foi realizada a aula tinha uma grande mesa de madeira no centro com duas banquetas compridas, algumas prateleiras com azeites, vinhos e lavandas, todos produtos locais e no canto direito um computador, que Marcela usou para colocar um fundo musical. A cozinha ficava no fim da sala. Ganhamos dois aventais descartáveis e uns papéis para anotar as receitas. De dentro da despensa, a professora ia tirando alguns ingredientes. Tudo era muito simples, como a cozinha da nossa casa mesmo. Misturamos farinha, ovos, açúcar, fermento, manteiga e sal em um potinho branco de plástico com a ajuda de um garfo. Fernando me cutucava e dizia rindo: será que aqui ninguém usa batedeira? Depois acrescentamos as castanhas e organizamos a massa na forma para ir ao forno.
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Perguntei à Marcela sobre a vida na fazenda. Ela nos contou que não morava ali e, por isso, havia transformado o local em uma pequena pousada agrícola. As terras foram herdadas do pai, que havia herdado do avô, coisa de família. E foi também com a família que ela aprendeu a fazer o azeite.
“Essa é uma atividade bem delicada que precisa ser feita com muita atenção. Antigamente, nós tínhamos que subir nas árvores para retirar as azeitonas e foi assim que meu avô morreu, caindo de uma oliveira. Agora já não precisamos mais subir. E este ano comprei uma máquina para fazer minha produção aqui na fazenda sem precisar recorrer ao aluguel em cooperativas. Sempre me dava uma angústia pensar que as azeitonas que eu havia plantado com todo cuidado poderiam estar se misturando com as de outros produtores. Agora o azeite é meu mesmo, do início ao fim”.
Marcela nos explicou que os azeites da Toscana são mais ricos em sabor, mais fortes e intensos que os azeites do sul da Itália, por exemplo. E que as garrafas de vidro normalmente são escuras para protegê-lo do sol, pois o contato com a luz faz o azeite mudar de cor.
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Depois que os cantuccis estavam no forno, continuando nossa Aula de culinária da Toscana, partimos para a execução da massa, o pici, uma espécie de espaguete grosso feito a mão. Com apenas farinha, água, azeite, uma pitada de sal e bastante trabalho manual, fizemos nossa primeira massa caseira.
Durante o preparo seguimos conversando e a professora nos contou um pouco sobre o contato com outras nacionalidades. “Ah, o engraçado do brasileiro é que ele não consegue seguir horários. A gente fala a hora do check in e do check out e o brasileiro está sempre atrasado. Já o americano, o mais engraçado é que ele mistura todas as comidas. Se a gente colocar na mesa a massa e a carne, eles colocam tudo junto no prato. Aqui na Itália primeiro a gente come a massa, para só então comer a carne”.
Enquanto eu picava as abobrinhas para o nosso macarrão, Marcela colocou um pão velho para cozinhar na água e depois jogou molho de tomate. Essa seria nossa entrada, também um prato típico da Toscana: Pappa al Pomodoro. Três horas depois do início da nossa aula, sentamos para jantar. Na mesa, para acompanhar, um vinho tinto feito pelo marido da professora, na fazenda onde moram. Também ele havia herdado o negócio familiar. Brindamos “salute” e começamos a comer. A massa, ou seja, o picci que fizemos, ficou ótima. Marcela também perguntou sobre nossa vida e como tínhamos conseguido largar nossos trabalhos para viajar por tanto tempo. “Você não tem medo de ficar sem emprego?”, me perguntou. Tenho, claro que tenho, mas a cidade onde moro no Brasil tem muitas ofertas de trabalho e acho também que esta volta pelo mundo está me transformando em uma profissional melhor e mais capacitada, respondi.
Ela não pareceu muito convencida. Acredito que com aquela rotina de trabalho na fazenda e com o preço da mão de obra na Itália, Marcela provavelmente não poderia fazer o mesmo. Mas, diferentemente de mim, que tantas vezes tive que sacrificar meu almoço por conta da correria do trabalho, Marcela diz que nunca marca compromissos para a hora das refeições. “Às vezes chega aqui um americano querendo marcar uma degustação para uma da tarde. Quando eu falo que não posso eles ainda questionam o motivo. E eu respondo: porque estarei almoçando”.
Na parede da casa vi uma foto da filha mais nova do casal, que hoje tem 14 anos, servindo um Brunello de Montalcino em uma feira de negócios de vinho. Ela provavelmente herdará a fazenda do pai e já está aprendendo sobre o futuro trabalho. Talvez, ela também não possa se ausentar da fazenda por férias prolongadas quando assumir a produção. Mas terá sempre um bom vinho à mesa, massa fresca, especialmente o pici, cantuccis, e tempo para aproveitar tudo com calma, tendo como cenário a bela vista da Toscana. Fiquei pensando que isso sim é que deve ser bom negócio.
Nós e nossa professora de culinária, Marcela
Pelo belo momento que vivemos naquela inesquecível tarde, recomendamos aos nossos leitores e seguidores que, estando por aqueles lados façam uma aula de culinária da Toscana e, se não tiverem alguma indicação, sigam essa nossa sugestão: Professora Marcela em Montalcino.